quarta-feira, 3 de junho de 2020

|| A todas as Beatriz Lebre deste mundo

Foste assassinada.
Foste brutalmente assassinada.
Foste brutalmente assassinada por um amor doentio.

Tu eras minha colega de curso, conheci-te nas aulas, nos corredores, na convivência própria da faculdade. Conhecia o teu rosto, a tua voz, a tua presença, e mesmo não sendo nós as melhores amigas, a tua morte afetou-me, muito, em vários aspetos.

A tua morte mexeu com as minhas dores profundas, reavivou memórias não muito distantes, abriu feridas que ainda não sararam e que queimam como se tivessem sido abertas ontem. Infelizmente entraste para a estatística das que morrem no silêncio com um grito na alma, das que morrem nas mãos de um amor que é tudo menos amor.
As que sobrevivem a essa violência ficam cá para contar a sua história, ainda que metade delas tenham morrido por dentro durante o processo de cura. Eu sou uma delas.
Já fui perseguida, manipulada, violentada verbalmente e psicologicamente, e só não chegou à parte física porque eu dei um "Basta". Acredito que se eu não tivesse dito chega, talvez num futuro próximo tivesse o mesmo fim que tu, ou talvez me tivesse tornado uma mulher de olhar vazio e passiva aceitando que aquela era uma forma natural de ser amada.

E é aqui que mora o perigo! A dúvida de colocar ou não uma barreira definitiva entre nós e o outro, desculpando os inúmeros abusos e ignorando os vários sinais de violência pelo caminho, acaba não só por aumentar o risco de sairmos mais lesadas como também o risco de acabar(mos) mal.
Infelizmente acabou mal pra ti, querida Bia.

Mais do que uma vida para viver, uma carreira brilhante por conquistar, os sonhos para cumprir, deixaste-nos a todos o dever de honrar a tua memória e usar a tua história para continuarmos a luta contra a violência, seja doméstica, seja no namoro, seja de que forma for; deixaste-nos o dever de dar voz a quem se vai calando com o tempo, de cuidar das feridas e dos traumas de quem saiu lesada deste tipo de violência.
Não pudeste contar a tua história mas nós podemos aprender com ela, e eu vou poder contar a minha um dia. Hoje não porque ainda me dói muito, hoje não porque a revolta ainda se sobrepõe ao discernimento e à capacidade de conta-la de forma perceptível.
Mas a minha história, tal como a tua, irá servir para construir um futuro mais punitivo, mais regrado, mais atento, mais consciente; porque o amor não magoa, não bate, não maltrata, não manipula.

Que encontres a paz que mereces aí em cima, que os anjos te envolvam num abraço apertadinho e que a música que amavas possa balsamizar a tua alma.

Por cá ficamos nós, sem a tua presença e brilho, com imensas saudades, mas também com força para vermos feita justiça.

<3









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