Desde muito cedo, com 5/6 anos, ouvia todos os anos algo como "este ano não há prendas, não há dinheiro", e aquilo magoava-me, causava-me revolta. Eu só me perguntava do porquê de nunca receber nem um berlinde que fosse, enquanto todos os meninos que eu conhecia recebiam sempre carradas e carradas de presentes, que depois esfregavam na minha cara o resto do ano.
Lembro-me de uma vez, já mais crescida, perguntar à minha mãe se era assim tão difícil dar 2 ou 3€ por uma porcaria de uma boneca para me dar no natal, ao que ela me respondeu como sempre "não há dinheiro". E foi assim, sempre.
Durante muito tempo, acho que até ter o meu primeiro filho aos 21 anos, vivi de costas viradas para o natal porque, sinceramente, era uma época tão hipócrita, tão irritante. A partir do início de novembro já começava a ouvir o recado do "não há prendas este ano", como se uma porcaria de 2 ou 3€ que fossem, fosse fazer uma diferença astronómica no bolso dos meus pais, afinal não eramos ricos mas também não vivíamos a mendigar, até porque nunca faltou nada no nosso natal, excepto os presentes.
Apesar de me terem destruído o sonho de acreditar no pai natal, e apesar de poder parecer ridículo, eu nunca deixei de acreditar nele. Todas as noites eu colocava um sapato ou uma pantufa ao pé da lareira, na esperança de que na manhã seguinte, por alguma mágica, lá estivesse um presente para mim, mesmo que estivesse tal e qual como eu o tinha deixado, vazio, mas foi algo que só deixei de fazer quando me mudei e deixei de ter lareira.
Portanto, o natal sempre teve um sabor agridoce, para mim.
Só mais tarde, com o meu primeiro filho, é que fiz as pazes com o passado. Mas a dor, essa, não se esquece. É como se nesta altura voltasse a ser a mesma menina de olhos tristes e apagados de outros natais por saber que a felicidade era só para alguns meninos, que secalhar o pai natal não gostava de mim ou que secalhar haviam pais que não gostavam dos seus filhos, ou seja, via na ausência de presentes a ausência de amor.
Isto é mais complexo do que parece. Como é que uma criança faz a associação de que, se não recebe presentes de natal então é porque ninguém gosta dela? Ao longo destes anos tenho vindo a aperfeiçoar a resposta a esta questão.
Com a propaganda natalícia que é feita nas lojas e na televisão, é muito normal que uma criança fique facilmente fascinada com o pai natal, com a magia que envolve o natal, incluindo os presentes. É aquela velha história de "se te portares bem, o pai natal traz-te presentes" e toda a pressão, umas vezes positiva outras vezes negativa, que essa expressão provoca na criança. Eu própria ouvia-a sempre durante os dois últimos meses do ano, mas a verdade é que quando chegava o natal nunca me davam nada. Isto podia ter corrido mal, podia ter-me dado para mandar o pai natal à fava e na volta embalar os meus pais e manda-los para a Bolívia por me terem sempre mentido.
Portanto, explicar a uma cabeça pequena que não vai receber presentes de natal porque não há dinheiro é uma missão quase impossível. No início, a criança até pode relativizar, mas depois quando o dia se aproxima ou até mesmo se vir alguém da família a receber presentes e ela não (sim, isto aconteceu-me várias vezes no passado), ela já não vai fazer nenhum esforço para compreender.
Com o tempo instala-se o hábito, a resignação, mas num qualquer momento mais à frente, a vida põe a descoberto as dores que coisas tão simples e banais deixaram ao longo do caminho. Esse momento chegou quando tive o meu primeiro filho e ele começou a crescer a ouvir falar no pai natal. De lá para cá, todos os anos, eu preparo mil e uma coisas para a noite de natal. Simulo cartas do pai natal que nunca serão entregues, falo sobre as aventuras dele, de como distribui as prendas, até já simulei que ia ajudar o pai natal a distribuir presentes ou até mesmo faze-los.
Na véspera de natal, perto da meia noite, eu peço para alguém distrair os miúdos e fujo da sala para ir para a rua, descer 23 degraus, no meio de um frio de morrer, com os braços atolados de prendas e deixa-las no chão junto à porta das traseiras, bater à porta e passar só com o gorro na cabeça junto à janela e ouvir "olha o pai nataaaaaaaaaal". Depois é correr para voltar a subir 23 degraus na entrada principal e infiltrar-me na excitação e no medo de abrirem a porta onde estão os presentes, como se nada fosse. É a fazer isto há 5 anos que fui percebendo a extensão da mágoa por não ter tido a liberdade de sonhar, e também fui percebendo o impacto que a ausência de presentes tem no coração de uma criança.
Os presentes de natal serão sempre importantes para as crianças, sempre. E isto não tem nada haver com excesso de mimos ou maus hábitos, porque, como em tudo na vida, deve haver moderação. É importante que as crianças aprendam que o natal também é família, é dar amor. Mas é igualmente importante elas terem quem lhes alimente os sonhos e que as façam sentir amadas.
Sempre ouvi dizer "dá, mesmo que nunca tenhas recebido" e eu perguntava-me muitas vezes como é que eu poderia dar algo que eu nunca tive, se nem saber como dar eu sabia? A verdade é que se sabe. O amor tem uma linguagem muito universal. Prova disso é que, por muito que me tenham cortado as asas desde menina, por muito que nunca me tenham dado a liberdade para sonhar, eu hoje faço questão de alimentar os sonhos dos meus filhos e de todos os meninos que estejam ao meu alcance. E é tão fácil dar quanto gratificante.
Uma criança é feliz com pouco, pena é que os pais se tenham esquecido disso pelo caminho. Foi isto que aprendi com os anos e é isto que espero que os meus filhos aprendam também.
Feliz Natal!
Boa noite
ResponderEliminarvenho agradecer a sua visita. Obrigada
Que este Natal seja passado em paz e harmonia. E o ano de 2016 seja de esperança
Beijos
http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/
Conseguiste por me com as lágrimas nos olhos . O teu texto tocou me! Também acho que com muito pouco sem se gastar rios de dinheiro se consegue preencher bem essa noite principalmente para crianças que não interessa (ou não devia) marcas e presentes caros.
ResponderEliminarFico contente que proporciones agora ao teu filho a falha que houve contigo. Tenta deixar o passado bem lá atrás e foca te na felicidade do teu filho ao seres TU a proporcionar tudo isso .
Um grande beijinho para ti ,
elisaumarapariganormal.blogspot.com
Ao ler o teu texto fiquei com o coração apertadinho!
ResponderEliminarEspero que um dia possas esquecer a mágoa para te concentrares apenas na esperança nos olhos dos teus filhos =)
Ao lhe dares a esperança provas que mesmo tentando não te roubaram a magia!
Espero que tenhas um Natal mágico e cheio de amor. Beijinho