Se há coisa que me irrita, que me abana o tico e o teco, que me faz ferver as vísceras, é quando, no auge dos meus dias mais corridos, eu desabafo para o ar algo do género "estou cansada" e me perguntam "cansada de quê?". E se eu explodir, não com a intenção de magoar a pessoa mas sim de desabafar, de deitar para fora o que não pode, de maneira alguma, ficar cá dentro, ela fica a olhar para mim como se estivesse a ver um alien de cuecas.
Mas se eu especifico e digo "estou cansada de ser mãe, às vezes só queria voltar a ser eu sem mais ninguém, sem ter que ter alguém a depender dos meus cuidados, do meu afeto, das minhas escolhas", aí a coisa muda de figura, passo de alien a ingrata "tu devias era agradecer por ter dois filhos com saúde, muitas gostariam de ter filhos e não podem!". Portanto, se uma pessoa já se sente miserável, pelo cansaço que traz aos ombros, ainda tem que levar com a culpa de ter, sequer, ousado queixar-se de uma coisa que não devia, e a seguir à culpa vem o medo de que alguma coisa aconteça aos miúdos, porque "karma is a bitch". "Peço desculpa", diz a mente a um Deus lá de cima, para ver se me poupa das desgraças, "não volto a queixar-me".
Mas depois penso, mas porque raio é que eu, mãe, não posso queixar-me?! Eu tive filhos, mas continuo a ser um ser humano igual aos outros! Um ser humano que se cansa, que também tem saudades do tempo em quando não tinha preocupações, que sente necessidade do sossego, do silêncio, que também se farta das birras, das rotinas, que sofre com a falta de sono, que se corrói pelas preocupações, que tem medo das responsabilidades.
E no que toca a filhos, a necessidade de fazer "turn off" e os medos tomam proporções ainda maiores.
Muita gente diz à boca cheia que uma mãe sofre, como se isso fosse uma espécie de sentença para a mulher, do tipo, "quiseste parir? agora aguenta". Portanto, a partir do momento em que uma mulher tem filhos, ela vira uma espécie de mulher invisível, que não tem o direito de se cansar, não tem direito a férias nem a descanso, que o lugar dela é a limpar ranho e fraldas cagadas, com umas olheiras até à ponta dos pés, sem esquecer o sorriso nos lábios, qual Lili Caneças.
Eu, antes de ser mãe, tinha uma vida, tinha sonhos. E ainda continuo a ter! Só que em vez de correr atrás deles, sem me preocupar com quem fica pelo caminho, tenho que ir por estradas que sejam largas o suficiente para também caberem os meus filhos. São sonhos limitados? Não. São sonhos reajustados.
Se uma mãe, como eu, decide abdicar um ou mais anos da sua vida, da sua carreira, para ficar em casa a tomar conta dos filhos, é uma mãe que é uma sortuda do caroço e não tem razão para se queixar. Pode acordar à hora que quiser, mesmo que não tenha pregado olho a noite inteira, não tem horas certas para comer, mesmo que muitas vezes nem tenha tempo para o fazer, pode ficar com o cú alapado no sofá o dia todo a ver televisão e a comer pipocas a ver os programadas deprimentes da manhã e os entediantes da tarde, pode sair com as amigas quando bem lhe apetecer, mesmo que a maior parte das amigas prefiram fazer coisas mais interessantes do que ouvir o lado negro da maternidade, pode ir ao spa ou ao cabeleireiro uma vez por semana, mesmo que não tenha horário, nem dinheiro, disponível na sua agenda imaginária.
Não. Uma mãe que abdica da sua vida e da sua carreira por um período de tempo, não é uma mãe egoísta, é uma mãe corajosa.
O dia de uma mãe começa bem cedo, sem hora certa para acabar. Entre preparar as refeições do dia, levar os miúdos à escola, dividir-se entre máquinas de roupa lavada e outras tantas acumuladas para passar a ferro (é a preguiça, dizem as sabichonas), aturar choradeira, depois ajudar nos trabalhos de casa, preparar o jantar, dar banhos, vestir pijamas, contar a história da praxe, aturar mais uma birra que só uma é pouco, quando chega à noite não existe mais nada que uma mãe mais deseje, senão o silêncio.
A sociedade vê a mãe como um exemplo de sofrimento altruísta, como se a mãe já viesse geneticamente pronta para dar-se a qualquer custo, onde as vontades dela numa escala de 1 a 10 valem zero.
Mas a mãe é uma mulher, um ser humano cheio de virtudes e limitações. A mulher tem a capacidade de gerar vida, mas não é por ela a poder gerar que tem que perder, automaticamente, a sua.
A mãe também chora, também se cansa, também tem necessidades, e sobretudo, a mãe também sente.
Ainda há muito a fazer para proteger a mulher da própria maternidade; das escolhas que ela faz, dos medos legítimos que tem, das falhas que comete. E enquanto isso não acontecer, enquanto as sociedades não colocarem as mães num papel de pura humanidade, continuará a haver muitas que se perdem do caminho, sobretudo, de si mesmas.
Ser mãe é uma escolha maravilhosa, mas também solitária. Ela tem que estar sempre presente, sempre a par, sempre impecável, mesmo que, às vezes, seja só um corpo presente.
Que o mundo inteiro saiba que uma mãe não é de ferro; ela é uma bravura com fragilidades incluídas.
Muito bom. Uma mãe é um ser humano como outro qualquer que, também se cansa, também gosta de sair, de se arranjar e de tempo para si própria...não é por ser mãe que deixa de existir como pessoa e como mulher. Não é por ser mãe que deve deixar de gostar de ter tempo para estar sozinha...uma mãe também precisa, apesar de nem sempre ser possível e não é por isso que gosta menos dos seus filhos.
ResponderEliminarBeijinhos
Adorei o texto! Super inspirador e fez-me pensar imenso! E tens toda a razão quando dizes ''que mãe é um ser humano.'' eheh
ResponderEliminarUm beijinho grande, linda! :)
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Como sempre, gostei do que escreves e da forma como escreves!
ResponderEliminarAinda não sou mãe, mas revejo-me nas tuas palavras...
Uma coisa sem ter nada a ver..: vi a tua nova foto não sei se cortaste agora mas o corte está lindo! Gosto imenso de te ver assim. Muitos beijinhos para ti
elisaumarapariganormal.blogspot.com
Gostei imenso da tua sinceridade. Não sou mãe mas consigo compreender-te muito bem. Ser mãe não é ser sempre super heroína que se espera, também há momentos de cansaço e fraqueza. Mães são acima de tudo seres humanos!
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Mais uma vez um excelente texto. Que devia ser lido por todos os homens. Para eles perceberem melhor o que é a vida de uma mulher mãe. Ser mãe é a pior profissão do mundo, porque nunca dá descanso e dela ninguém se reforma. preocupamos-nos com os filhos, e sofremos por eles, até ao último suspiro da nossa vida.
ResponderEliminarUm abraço e tudo de bom para si
as mulheres não tem uma vida fácil...
ResponderEliminarIsabel Sá
http://brilhos-da-moda.blogspot.pt
A tua sinceridade cativa-me! De facto a mãe sabe sempre, devemos sempre dar ouvidos!
ResponderEliminarxoxo, Sofia Pinto
LAST POST ♥
xi como eu te entendo!
ResponderEliminarBjxxx